sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sobre a infanticida Maria Farrar

Maria Farrar, nascida em Abril,
menor, sem sinais particulares, raquítica, órfã,
sem qualquer condenação anterior, ao que se julga,
é acusada de ter assassinado uma criança, da seguinte forma:
Conta ela que já no segundo mês
em casa de uma mulher, num sótão,
tentou expulsá-lo com duas injeções
dolorosas, como se calcula, mas não saiu.

Não se indignem, por favor,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Assegura, contudo, ter pagado de imediato
o estipulado, ter continuado a apertar a cintura,
ter também tomado aguardente com pimenta moída,
o que apenas serviu de forte purgante.
O corpo estava inchado e sentia também
dores frequentes quando lavava os pratos.
Estava ainda em idade de crescer, segundo ela própria dizia.
Rezou à Virgem Maria com muita fé.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


As orações, ao que parece, não serviram de nada.
Pedia-se demasiado. Quando já estava mais cheia
sentia vertigens durante a missa. Suava muito.
E também suava de medo, com frequência, diante do altar.
Mas fez segredo sobre o seu estado
até ser surpreendida pelo nascimento.
Isto resultou, pois ninguém pensava
que ela, tão pouco atraente, pudesse ser presa de tentação.

E também a vós, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Nesse dia, diz, bem cedinho,
estando a limpar as escadas, sentiu como que umas unhas
a arranhar-lhe o ventre. A dor
sacudia-a, mas conseguiu manter-se calada.
Todo o dia, enquanto estendia a roupa que lavou,
pensou e tornou a pensar, até se dar conta,
de coração apertado, que tinha mesmo que parir.
Só tarde subiu para o quarto.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Quando estava deitada, vieram chamá-la;
tinha nevado e teve que varrer.
O trabalho durou até às onze. Foi um dia bem longo
Só pela madrugada pôde parir em paz.
Conta ela que pariu um filho.
O filho era igual aos outros filhos.
Mas ela não era como as outras, embora...
Não há motivo para brincadeiras.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Assim, pois, deixemo-la contar
o que sucedeu com este filho
(diz ela que não quer esconder nada)
para que se veja como somos.
Diz que ficou pouco tempo na cama
angustiada e sozinha;
sem saber o que aconteceria a seguir
obrigou-se a conter com esforço os gritos.

A vós também, peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Como o quarto também estava gelado,
segundo diz, arrastou-se com as últimas forças
até à latrina e ali
(quando, já não se recorda) pariu
sem ruído até ao amanhecer.
Estava, diz ela, muito perturbada nesse momento,
já meio intumescida, mal podia segurar o menino
prestes a cair na latrina dos criados.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Então, quando ia da retrete para o quarto
- antes, diz ela, não aconteceu nada - a criança
começou a gritar. Isso a afligiu tanto
que se pôs a bater-lhe com os dois punhos,
cega sem parar até a criança ficar quieta.
Então, levou o morto
consigo para a cama durante o resto da noite
e pela manhã escondeu-o na lavanderia.

A vós também, peço que não se indignem,
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Maria Farrar, nascida em Abril,
falecida na prisão de Meissen,
mãe solteira, condenada,
quer mostrar-vos os crimes de todo o ser humano.
Vós que paris sem complicações em lençóis lavados
e chamais "bendito" ao vosso ventre prenhe,
não condeneis estas infames fraquezas
porque, se o pecado foi grave, o sofrimento também foi grande.

Por isso peço que não se indignem
pois toda a criatura precisa da ajuda de todos.


Bertolt Brecht

domingo, 12 de junho de 2011

Ex amorzinho.

A dias tento escrever sobre você, e nunca sai nada. É, eu realmente aprendi a não te amar.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Branco.

Eu viro as paginas e todas estão em branco. Eu olho ao meu redor, a sala também é branca. Eu fecho meus olhos e tudo que me lembro esta em branco. Até a maldita luz que parece querer me cegar é branca.
Branco, sem vida, animo ou tom.
Parecem imagens póstumas de uma carcaça. Mas eu ainda não sou uma carcaça. Eu ainda estou vivo, respiro, ando, sigo, erro, choro, caio, sangro. Como muitos dizem, ainda estou vivo. Ao me ver , quase vivo.
Sorrio, mas meu sorriso também é branco, minha pele é branca, minha roupa é branca.
O cigarro que eu trago é branco e a fumaça... Ah ela se torna branca.